29.1.08

Pela janela do quarto

Amarelo com preto é amenizado em fundo verde com toques laranja. Amarelo com preto é em si completo, mas se isolado das outras cores perde algo. Um fiapo de delicadeza, que muda tudo. Amarelo com preto precisa pousar sobre o alaranjado, que com luz mais ou menos intensa torna-se salmão, para ser admirado. Amarelo com preto tem que ser breve, passar por dentro do verde e sumir para que sua brutalidade não seja a única impressão. Amarelo com preto não é fraterno, mas é perdoado se em fundo azul.

17.1.08

Quando Tarco Chorou

Doug disse que, se fosse hoje, Clarice seria ignorada. Não dei corda, não perguntei porquê. Não tenho paciência de receber certos esclarecimentos, não mais. Não tenho paciência de cativar certos seres, também.
O pior do humano, pra mim, é o ser humano. Melhor dizer que o pior do humano são os seres humanos. O melhor do humano é uma coleção de boas coisas, que infelizmente não sobrepõe o pior do humano. A criação é das melhores coisas humanas e os criadores são as pessoas mais interessantes, pra mim. Com a criação os significados, muitos deles, se revelam. Há muita revelação quando se cria. Revelação do próprio indivíduo criador: eu sou isso, e muito mais.
Diante do criador revelado, diante de apenas um viés do vasto universo que é um artista, o interlocutor pode mirar a própria imagem. O desnudamento do que se é por um outro, por um estranho, é um choque. Esse choque ou reanima o que adormecia, o intelecto, ou não. Ou toca, ou não toca. Então há seres capazes de coisas desse tipo, deslumbrar seus pares, mostrar que somos todos tanto ordinários quanto únicos. E isso é grande, glorioso.
Aqueles capazes de tal feito, de nos revelar, são únicos e preciosos. Ian McEwan transforma-se em superfície lisa de água, um lago escuro talvez, calmo mas sinistro. Diante do pesadelo, causado por nós mesmos, temos a delicadeza de afagar os nervos alheios. Beijar o machucado. É irritantemente cínico, mas não deixa de ser tocante, portanto, humano.

7.1.08

Epístola a um ventríloquo

Caro Peter Walsh,

Apesar da distância, preciso dizer que gostei de você. Dividimos muitas coisas: a nostalgia do tempo perdido, passado; o rancor por não termos sido incluídos na vida de quem gostaríamos; o desapego ao orgulho, simplesmente perdoamos porque não há tempo a perder; a incerteza absoluta sobre qualquer coisa que exista; nosso baixíssimo poder de cicatrização de mágoas amorosas; é foda. Espero que tenhamos a melhor vida que for possível. Estou nas páginas iniciais tanto de sua história quanto da minha.

PS. Ela sabe o que faz.

Best Regards

TZ

4.1.08

EX VOTO


1) Fazer-me difícil
Não telefonar pra Juán
Excluir possíveis recaídas
Dar pequenos passos

2) Centralizar myself
Deixar os outros em paz
Reerguer ou começar do zero?
Voltar a olhar o céu

3) Reter mais experiência
Deixar o excesso de dó pra traz
Acertar o momento do bote
Ação em conluio com paciência

4) Conservar o mel
Cultivar também afeto
Repudiar se incorreto
Salvar as idéias do léu

5) Banir o blá blá blá
Livrar-se de culpas
Sarar-se de mágoas
Deixar de deixar pra lá

3.1.08

Bolha

Deus me livre de viver num lugar como aquele.

Beirute?


O filme se passa em Tel-Aviv, não é não?


Ah, você diz esse filme de agora. Eu estava pensando exatamente em outro filme, O Céu de Beirute, com uma atriz chamada Flavia Bechara. Mas Tel-Aviv parece tranqüilo em relação ao resto daquela região.


Mesmo assim, não piso ali por mais interessante que seja.


Mas você gostou do filme?


O Céu de Beirute?


Não, esse que acabamos de ver.


Mais ou menos. Algumas cenas são boas.


Nossa. Eu achei forte, concentrado, impactante, tipo um ataque terrorista.


Mas o filme é sobre um terrorista árabe que mata o amante judeu. Lembrei do Bloc Party If you are the answer we are going straight to hell.


Sim, mais eu falo da sensação que eu tive com o todo. Eu me coloquei no lugar daquelas pessoas, árabes e judeus, vendo aquele filme. Deve ser forte pra eles.


Não sei. O noticiário por lá deve ser repleto de histórias similares, com muito sangue e barbárie. Talvez eles não se choquem mais, assim como nós e a nossa violência por aqui.


Pela cara, você definitivamente não gostou do filme.


Tou puto com a bicha gorda de cavanhaque que sentou do nosso lado. Além do chulé, ele me manchou a calça.


Mas é preciso ser tolerante.


Por mim, o bolha folgado voava pelos ares.