20.12.10

tem o curso "natural" das coisas e sua força praticamente imbatível
e do outro lado, eu, e uma enorme preguiça de combater o curso natural das coisas
a vontade, na verdade, a opção no momento, é deixar.
Queria falar sobre um cd incrível, Menti pra você, de sotaque recifense arrojado: Karina Buhr. As letras e arranjos são bem interessantes. Gosto de cantar Nassíria e Najaf.

17.12.10

Eu costumava ler um pouco os contos da new yorker. Virou um hábito entrar ao menos uma vez por semana, ver se tinha algo interessante nos primeiros parágrafos e salvar a história em arquivo (porque as histórias eram retiradas quando o autor publicava em antologia ou algo assim). Os textos agora não estão mais "free of charge", a maioria estão disponíveis só para a$$inantes. Tudo bem, eu pensei, foi bom enquanto durou. Afinal, existem muitos outros meios de acessar literatura escrita em inglês. Mas dos autores que li naquele site, o que mais me interessou foi a chinesa Yiyun Li. Ela foi pros states estudar imunologia e matriculou-se num workshop de criação literária para praticar a escrita do idioma. Tornou-se escritora por acaso. Numa entrevista (aqui), ela trata de questões que por acaso tive em mente ultimamente: o que é ficção? quando não é ficção?, por exemplo.

Fiz um artigo recentemente sobre o romance O Falso Mentiroso: memórias (2004), do Silviano Santiago, e Fragmentos: memórias de uma infância 1939-1948 (1998), de Binjamin Wilkomirski. São duas obras de ficção. A primeira problematiza o gênero memorialístico, o conceito de cópia e original, dentre outras coisas. A segunda fez algo parecido, porém por meio escuso, por meio de uma farsa literária: o autor forjou para si uma identidade nova (na verdade, o cara se chama Bruno Dössekker, um professor de música) e afirmava (jurava de pés juntos) que seu livro era o registro de sua experiência traumática, quando criança, nos campos de concentração. Onde, como descobriram, ele realmente esteve, só que como turista e já adulto, muitas décadas depois.

O entrevistador pergunta a Li como ela definiria autobiografia. Ela responde com o óbvio: é a escrita sobre a vida do escritor, suas histórias de vida. E distingue que o fato de criar a partir de fatos e pessoas que a cercam, sobre o que ela ouviu falar, não está nessa categoria. Ela não conhece de antemão os fatos ou as pessoas que cria na ficção. Eles brotam de sua imaginação, apesar do ponto de partida ser algumas vezes uma impressão real. Esse modo de escrever surgiu por acaso. No começo no curso de criação literária, ela teve, meio que a contragosto, que matricular-se numa turma de escrita de não-ficção. Parecia impossível a simples idéia de escrever sobre si mesma. Porém, por não-ficção pode-se entender o mundo, sem necessariamente ser preciso tocar no aspecto biográfico. Outra coisa interessante é o modo como ela se relaciona com outros escritores, e constrói seu intertexto. Ela "conversa com escritores através da própria escrita", por exemplo, quando leu a opinião de Iris Murdoch de que amar alguém de quem você nem mesmo gosta seria algo imoral, ela pensou em escrever uma história contestando tal visão: um indivíduo, mesmo sem gostar do outro, o ama, e sob uma perspectiva moral.

Passei o semestre lendo e discutindo sobre a importância de deixar autor (e sua vida) em paz e direcionar toda atenção somente ao texto. Li, no entanto, é tão instigante que rondou agora o desejo de ir a California só pra fazer o curso de criação literária com ela, e... conhecê-la.

16.12.10

biopics

Raquel é professora de inglês em Meruoca. Tem vinte e poucos anos, guia uma bis muito concentradamente (quando a vi passando segunda-feira em frente a pousada, não ousei chamar pra não atrapalhar) e é fã de Vander Lee (que eu não sabia quem era até então e agora sei graças ao youtube). Vai embora pra São Paulo, vai casar. Deixa pra trás rios, cachoeiras (banhos), cumes, vistas, um sítio, seu trabalho, alunos, amigos, família, toda uma cidadezinha na qual ela aprendeu muita coisa (opinião minha). Ela me faz lembrar de uma personagem da Nélida Piñon cujo nome e obra já esqueci, mas que amadurecera sem precisar sair pelo mundo, encerrada no universo que então era possível. Dei a ela Flush, da Virgínia. Espero que ela goste. Desejo que a vida continue sendo boa com ela.

1.12.10

boa e velha Marianne Moore

Poesia

Eu, também, não aprecio: existem coisas muito mais importantes além
desse passatempo.
Ler, porém, com perfeito desapego, alguém
descobre nisso, um lugar para o genuíno
Mãos que podem pegar, olhos
que podem dilatar, cabelos
que podem eriçar
se assim tiver de ser...
what about dancing? descubro aos poucos qual a realidade de dançar. O movimento, a tomada do espaço, ceder espaço, o ponto g do ritmo, a entrega, o ritual, experimentei inocente, sem culpa ultimamente... 


tou super curioso por ver o filme Black Swan, do Darren Aronofsky, mesmo lendo agora a crítica desfavorável da New Yorker. Segundo a nota, a história é sobre uma bailarina dedicada (Natalie Portman) que tem como desafio mostrar que é capaz de encarnar tanto o cisne branco (pureza) quanto o negro (sedutor-devasso), dualidade presente na obra de Tchaickovsky.   Black Swan impõe à dançarina um mergulho no lado irracional e erótico (dionisíaco?) da dança. O problema do filme segundo o texto da NY foi a mão do diretor, que desandou na mistura de lirismo com morbidez. A vontade agora de ver o filme só aumentou.


Et, a nova da PJ é tão world music 
não canso de ouvir lá nos primórdios, depois de tempos
hoje o bully-teacher brincou com dois alunos que ousaram conversar no meio da aula stand-up comedy de informática (horrível). Ele disse: então, vocês são amigos de anos... e quase todo mundo deu risada.


Todos os indícios apontam que, irremediavelmente, não faço parte da turma 2.0, o povo super antenado com as redes sociais, com o mundão virtual. Sou, na melhor hipótese, 1.0. Pensei dia desses num poema da Ana Cristina que diz ser uma mulher do séc. XIX disfarçada em séc. XX e fiquei constrangido de como provavelmente meu retrocesso pode ir muito mais pra trás (ou não, suspeito que não). Bem, por isso decidi ler You Are Not a Gadget - A Manifesto, do Jaron Lanier. Na capa, que tem a forma de um palmtop (deve ser palmtop ou ipod), diz: You have to be somebody before you can share yourself. E, wow, deveras. Mas o que significa ser alguém? Ou como o autor mesmo questiona no início do livro: o que é uma pessoa? Parei a leitura na primeiras páginas e retomei outro livro, esquecido e interrompido por uma década na estante: O Mundo de Sofia...     


    

língua cortada

Quando ganhamos fala?
Ganho e perco a fala, assim, sem mais nem menos
Daí dou as costas, simplesmente
e quando treino bastante, a fala, ela sai dormente
como se nem minha fosse
não confio em regressão
Não sei porque, acho que puxaram demais o meu cabelo e o fato de eu não ter gritado na época tem relação com isso tudo
virei um oximoro
 um dito não-dito ambulante
um esforçado sem-força
completa incompletude
discreta aberração
et al
e o que mais
os cabelos caem, por isso me preparo com exercícios de grito super difíceis de realizar num lugar como esse, povoado-deserto
pois não se sabe o que será desperto
Parece ter sido ontem: tanto falei que fiquei rouco de amor
ele, um fantasma de contornos cortantes
uma faca
não é um estorvo dançar com uma lâmina entre os dentes?
tenho uma faca afiada
na boca