17.12.10

Eu costumava ler um pouco os contos da new yorker. Virou um hábito entrar ao menos uma vez por semana, ver se tinha algo interessante nos primeiros parágrafos e salvar a história em arquivo (porque as histórias eram retiradas quando o autor publicava em antologia ou algo assim). Os textos agora não estão mais "free of charge", a maioria estão disponíveis só para a$$inantes. Tudo bem, eu pensei, foi bom enquanto durou. Afinal, existem muitos outros meios de acessar literatura escrita em inglês. Mas dos autores que li naquele site, o que mais me interessou foi a chinesa Yiyun Li. Ela foi pros states estudar imunologia e matriculou-se num workshop de criação literária para praticar a escrita do idioma. Tornou-se escritora por acaso. Numa entrevista (aqui), ela trata de questões que por acaso tive em mente ultimamente: o que é ficção? quando não é ficção?, por exemplo.

Fiz um artigo recentemente sobre o romance O Falso Mentiroso: memórias (2004), do Silviano Santiago, e Fragmentos: memórias de uma infância 1939-1948 (1998), de Binjamin Wilkomirski. São duas obras de ficção. A primeira problematiza o gênero memorialístico, o conceito de cópia e original, dentre outras coisas. A segunda fez algo parecido, porém por meio escuso, por meio de uma farsa literária: o autor forjou para si uma identidade nova (na verdade, o cara se chama Bruno Dössekker, um professor de música) e afirmava (jurava de pés juntos) que seu livro era o registro de sua experiência traumática, quando criança, nos campos de concentração. Onde, como descobriram, ele realmente esteve, só que como turista e já adulto, muitas décadas depois.

O entrevistador pergunta a Li como ela definiria autobiografia. Ela responde com o óbvio: é a escrita sobre a vida do escritor, suas histórias de vida. E distingue que o fato de criar a partir de fatos e pessoas que a cercam, sobre o que ela ouviu falar, não está nessa categoria. Ela não conhece de antemão os fatos ou as pessoas que cria na ficção. Eles brotam de sua imaginação, apesar do ponto de partida ser algumas vezes uma impressão real. Esse modo de escrever surgiu por acaso. No começo no curso de criação literária, ela teve, meio que a contragosto, que matricular-se numa turma de escrita de não-ficção. Parecia impossível a simples idéia de escrever sobre si mesma. Porém, por não-ficção pode-se entender o mundo, sem necessariamente ser preciso tocar no aspecto biográfico. Outra coisa interessante é o modo como ela se relaciona com outros escritores, e constrói seu intertexto. Ela "conversa com escritores através da própria escrita", por exemplo, quando leu a opinião de Iris Murdoch de que amar alguém de quem você nem mesmo gosta seria algo imoral, ela pensou em escrever uma história contestando tal visão: um indivíduo, mesmo sem gostar do outro, o ama, e sob uma perspectiva moral.

Passei o semestre lendo e discutindo sobre a importância de deixar autor (e sua vida) em paz e direcionar toda atenção somente ao texto. Li, no entanto, é tão instigante que rondou agora o desejo de ir a California só pra fazer o curso de criação literária com ela, e... conhecê-la.

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